LILIANE DE MOURA BORGES[1]
(Orientadora)
RESUMO: Em meio à crise econômica que se instaurou no Brasil, os consumidores adquirentes de imóveis “na planta condicionados a pagamento parcelado, ficaram inadimplentes ou pleitearam a resilição unilateral do contrato. Esse cenário, contribuiu para a enxurrada de ações no Poder Judiciário, no qual a jurisprudência deparou-se com a ausência de legislação aplicável a essas questões. Nesse contexto, o presente trabalho tem por finalidade analisar as mudanças realizadas pela Nova Lei de Distrato – Lei nº 13.786/ 2018, bem como seus possíveis efeitos socioeconômicos nas relações obrigacionais entre as partes, com foco na desistência do contrato pelo consumidor adquirente e suas consequências. Trata-se de uma pesquisa qualitativa com método dedutivo pautada na legislação, nas obras doutrinárias de juristas renomados e artigos científicos. Os resultados encontrados demonstraram que não são as garantias de proteção à vulnerabilidade do consumidor o principal foco abordado pela Nova Lei de Distrato, tendo em vista que as normas são mais benéficas para o mercado imobiliário.
PALAVRA CHAVE: Crise Econômica; Lei nº 13.786/2018; Regulamentação do Distrato Imobiliário; Vulnerabilidade do Consumidor.
ABSTRACT: In the midst of the economic crisis that broke out in Brazil, consumers acquiring real estate “in the plant conditioned to installment payments, were in default or pleaded for unilateral termination of the contract. This scenario contributed to the flood of lawsuits in the judiciary, in which case law faced the absence of legislation applicable to these issues. In this context, this paper aims to analyze the changes made by the New Distraction Law - Law No. 13.786 / 2018, as well as their possible socioeconomic effects on the obligatory relations between the parties, focusing on the withdrawal of the contract by the acquiring consumer and its consequences. . It is a qualitative research with deductive method based on the legislation, the doctrinal works of renowned jurists and scientific articles. The results showed that guarantees of consumer vulnerability protection are not the main focus addressed by the New Cancellation Law, given that the rules are more beneficial for the real estate market.BO
KEYWORDS: Economic Crisis; Law nº 13.786/2018; Real Estate Cancellation Regulation; Consumer Vulnerability.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A Problemática dos Distratos Imobiliários. 3. Considerações sobre a Nova Lei do Distrato – Lei nº 13.786/2018. 4. Impactos no Mercado Imobiliário com a vigência da Lei nº 13.786/2018. 5. A Nova Lei de Distrato – Lei nº 13.786/2018 versus o Código de Defesa do Consumidor – CDC. 6. Conclusão. 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
No Brasil, até o ano de 1964, as relações imobiliárias eram estabelecidas sem total regulamentação, de modo que o adquirente não possuía qualquer respaldo ou garantia na relação de compra e venda. Diante dessa situação, a Lei nº 4.591/1964, foi promulgada com o objetivo de regulamentar a incorporação imobiliária.
A incorporação imobiliária, refere-se ao ato jurídico em que o proprietário de um terreno aliena unidades, com a promessa futura de constituição de um condomínio, que será formalizado após o término das obras, operação essa conhecida popularmente como “venda na planta”.
Noutro ponto, a Lei nº 6.766/76 – Lei de Loteamentos, determina que o loteamento é o parcelamento de solo para criação de lotes servidos de infraestrutura e com acesso a novas vias de circulação, sendo que essa modalidade também pode ser considerada uma “venda na planta”.
Como é sabido, uma das características marcantes do ramo do direito são as mudanças sociais, é por meio dos movimentos e necessidade de regulamentação de determinadas relações obrigacionais, que ocasionam um novo cenário legislativo.
Com efeito, a promulgação da Lei de Distrato – Lei nº 13.786/2018, não foi diferente. Ressalta-se, em especial, o momento de crise econômica em 2014, no qual diversos adquirentes de imóveis “na planta” com pagamento parcelado, se viram inadimplentes ou pediram a extinção com contrato unilateralmente.
Com a enxurrada de ações judiciais discutindo os direitos do consumidor e as cláusulas abusivas para distratos imobiliários o Poder Judiciário enfrentou uma situação sem previsão legal, o que ocasionou uma interpretação de direitos baseada em princípios e cláusulas abertas. Assim, quando o ano de 2018 estava para se extinguir, nasceu a Lei nº 13.786, de 27 de dezembro de 2018 (Lei do Distrato), com a finalidade de servir como um marco legal, para os contratos de alienação de imóveis “na planta” (incorporação) e em loteamento, celebrados no ano de 2019.
Em síntese, a Nova Lei de Distrato acrescenta novos artigos à Lei de Incorporação Imobiliária – Lei nº 4.591/64, bem como à Lei de Loteamentos – Lei nº 6.766/76, com o nítido objetivo de estabelecer regras para o inadimplemento desses contratos, em total atenção à demanda repetitiva de processos sobre essa questão.
Neste contexto, com a vigência dessas modificações, o presente trabalho tem como proposta demonstrar os efeitos socioeconômicos nas relações obrigacionais entre as partes, com foco na desistência do contrato pelo consumidor adquirente e suas consequências. De mais a mais, é imprescindível analisar, no presente artigo, uma das relações mais conflituosas e de mais difícil compatibilização, que seria a relação de consumo e o mercado imobiliário.
Na tentativa de equalizar esse conflito, é criada a Lei nº 13.736/2018, que traz muitos elementos para as teorias de estudiosos do Direito. A pesquisa responderá, se referida norma cumpriu a sua expectativa trazendo eixos de reflexão distribuídos em três capítulos que tratarão respectivamente da problemática, das considerações legais do texto e da expectativa. Ao fim, a autora contribui com o fechamento das ideias na consideração final.
2. A PROBLEMÁTICA DOS DISTRATOS IMOBILIÁRIOS
Entre os anos de 2008 e 2011, além dos problemas com atraso nas obras, os adquirentes de imóveis “na planta” também enfrentaram dificuldade na autorização dos financiamentos bancários, em razão da desaceleração da economia e o aumento da inflação.
Desse período em diante, os bancos ficaram mais rigorosos e seletivos na aprovação dos créditos imobiliários, justamente no momento em que as unidades lançadas nos anos de “boom” do mercado imobiliário seriam entregues.
Nesse contexto nacional, as empresas na construção civil registraram um aumento exorbitante de contratos cancelados, o que ocasionou aumento dos conflitos em razão dos distratos na via administrativa e judicial.
Em dados da Revista Exame escrito por ALMEIDA (2014), foi observado que, nesse período, o valor total dos distratos foram mais que o dobro em comparação com três anos antes:
É o caso da Gafisa. Desde o primeiro trimestre de 2012 até o segundo trimestre deste ano, o valor de contratos cancelados na construtora passou de 51 milhões de reais para 119,9 milhões de reais, um aumento de 135%. (...). Na MRV, o valor do distrato aumentou 77,21% entre o primeiro trimestre do ano passado e o segundo semestre deste ano, passando de 232,6 milhões de reais para 412,2 milhões de reais. Na Brookfield, o valor dos contratos cancelados passou de R$ 167 milhões no quarto trimestre de 2011 para R$ 256,4 milhões no segundo trimestre deste ano, um aumento de 53,53%. A Rossi registrou aumento de 53,15% dos contratos cancelados entre o primeiro trimestre de 2012 e o segundo trimestre deste ano. O valor passou de R$ 171 milhões para R$ 261,9 milhões no período. O valor dos contratos cancelados na PDG passou de R$ 233 milhões para R$ 275 milhões entre o quarto trimestre de 2012 e o segundo trimestre deste ano, aumento de 18%.
Para as incorporadoras, projetos de lançamentos “na planta” com alto nível de distrato, podem influenciar na redução dos resultados almejados com a sua criação, o que gera um elevado índice de imóveis disponíveis, alterando, portanto, a dinâmica do mercado imobiliário.
Importante destacar também que, além de exigir um novo esforço para a venda da unidade, a extinção unilateral do contrato pelo adquirente, causa o desequilíbrio no fluxo de caixa, de modo que quanto mais perto da entrega das chaves, maior é o prejuízo para as incorporadoras, uma vez que os valores já pagos deverão ser devolvidos aos clientes desistentes (BARZI, 2015, p. 45).
Segundo Barzi (2015, p. 45), para as incorporadoras os custos operacionais e financeiros dos distratos, são:
Custos operacionais e financeiros dos distratos: · Demanda de tempo – diversas áreas da empresa (comercial, contas a receber, contas a pagar e jurídico) deverão se voltar novamente para um imóvel que já foi comercializado. · Custos administrativos – participação em reuniões, emissão de planilhas de saldo devedor para o cliente que deseja o distrato e emissão de cheque de devolução. · Custos jurídicos – gerar revisões da minuta de distrato, honorários de advogado e custo do processo judicial, quando for o caso. · Custos de marketing – divulgar novamente a disponibilidade do imóvel e perda do apelo do momento de lançamento. · Intermediação imobiliária – deverão ser pagas novamente as comissões das vendas. · Impacto no caixa – interrupção da série de pagamentos, diminuindo recebíveis sem diminuir os gastos.
Assim, considerando a crise econômica no país, em especial no ano de 2014 e diante da ausência de legislação específica, a jurisprudência passou a analisar os direitos discutidos nas demandas, com base em princípios e cláusulas abertas, o que gera diversas teses sobre o tema.
Os Tribunais passaram a solucionar o conflito gerado nessa relação, com base nas regras estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor, em que, apesar dos contratos estarem sujeitos ao princípio do Pacta Sunt Servanda[2] e de leis específicas que tratem sobre a incorporação imobiliária e loteamento (respectivamente, Lei nº 4.591/64 e Lei nº 6.766/76), prevaleceu o entendimento de que há desiquilíbrio entre as partes na celebração desses instrumentos.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça – STJ, decidiu que os contratos imobiliários estariam sujeitos as normas do Código de Defesa do Consumidor – CDC:
Direito civil e do consumidor. Abusividade de cláusula de distrato. É abusiva a cláusula de distrato - fixada no contexto de compra e venda imobiliária mediante pagamento em prestações - que estabeleça a possibilidade de a construtora vendedora promover a retenção integral ou a devolução ínfima do valor das parcelas adimplidas pelo consumidor distratante. Isso porque os arts. 53 e 51, IV, do CDC coíbem cláusula de decaimento que determine a retenção de valor integral ou substancial das prestações pagas, por consubstanciar vantagem exagerada do incorporador. Nesse contexto, o art. 53 dispõe que, nos 'contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado'. O inciso IV do art. 51, por sua vez, estabelece que são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade... (STJ, Resp nº 1.132.943-PE, Rel. Luis Felipe Salomão, DJ27/08/2013)
Também prevaleceu o entendimento de que esse tipo de contrato de compra e venda seria de adesão, visto que as cláusulas foram estabelecidas pelas construtoras, sem a possibilidade de discussão e alteração por parte dos consumidores, hipótese essa que traduzida pelo art. 54, do CDC.
Por essa razão, o Colendo STJ sedimentou o entendimento para determinar a devolução de parte dos valores atualizados já pagos pelo adquirente, preservando também quantia que ressarciria os custos operacionais das incorporadoras:
Recurso Especial. Compromisso de compra e venda. Imóvel em construção. Rescisão contratual. Transação. Devolução das parcelas pagas pela promitente vendedora. Correção monetária. Compensação. É inaceitável transação que contrarie os princípios básicos do direito e as disposições legais vigentes. Não se admite como válido o distrato de promessa de compra e venda segundo o qual o promissário comprador recebe a devolução das parcelas pagas sem correção monetária. A correção monetária é um mero fator de atualização do valor aquisitivo da moeda. Não confere um plus ao valor da dívida, razão pela qual, não pode fazer às vezes da multa compensatória, não estipulada . Recurso especial não conhecido" (STJ, REsp 331.346/MG 2001/0081689-7, Rel. Nancy Andrighi, DJ 15/10/200, 3ª Turma, DJe 19/11/2001)
Nosso egrégio Superior Tribunal de Justiça – SJT também passou a decidir que as incorporadoras poderiam reter entre 10% a 25% do montante já pago pelo adquirente:
Processo civil. Agravo regimental. Agravo no recurso especial. Promessa de compra e venda de imóvel. Inadimplência. Rescisão contratual. Devolução das parcelas pagas. Cabimento. Retenção de 25% em benefício do vendedor. Súmula 83 do STJ. Agravo não provido. 1. O entendimento firmado no âmbito da Segunda Seção é no sentido de ser possível a resilição do compromisso de compra e venda, por parte do promitente comprador, quando se lhe afigurar economicamente insuportável o adimplemento contratual. 2. Nesse caso, o distrato rende ao promissário comprador o direito de restituição das parcelas pagas, mas não na sua totalidade, sendo devida a retenção de percentual razoável a título de indenização, entendido como tal 25% do valor pago. Precedentes. 3. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no AgREsp 730520/DF 2015/0144281-9, Rel. Luis Felipe Salomão, DJ 25/08/2015, 4ª Turma, DJe 28/08/2015)
Importante destacar também que, o Tribunal Superior, determinou que a devolução dos valores ao consumidor, não poderiam ser pagos em parcelas e não poderiam ser ressarcidas após a finalização da obra:
Recurso especial representativo de controvérsia. Art. 543-C do CPC. Direito do consumidor. Contrato de compra de imóvel. Desfazimento. Devolução de parte do valor pago. Momento. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: em contratos submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, é abusiva a cláusula contratual que determina a restituição dos valores devidos somente ao término da obra ou de forma parcelada, na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, por culpa de quaisquer contratantes. Em tais avenças, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. 2. Recurso especial não provido. (STJ, REsp 1.300.418/SC 2012/0000392-9, Rel. Luis Felipe Salomão, DJ 13/11/2013)
Considerando esse contexto, em 2015, o colendo Superior Tribunal de Justiça – STJ estabeleceu, em síntese, as obrigações do consumidor adquirente e das empresas de construção civil, por meio da edição da Súmula nº 543[3].
Em sede de recursos repetitivos, o colendo Superior Tribunal de Justiça – STJ, considerou válida a transferência do pagamento da comissão de corretagem para o consumidor, desde que haja previsão expressa em cláusula contratual, em atenção ao art. 30, do CDC:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. VENDA DE UNIDADES AUTÔNOMAS EM ESTANDE DE VENDAS. CORRETAGEM. CLÁUSULA DE TRANSFERÊNCIA DA OBRIGAÇÃO AO CONSUMIDOR. VALIDADE. PREÇO TOTAL. DEVER DE INFORMAÇÃO. SERVIÇO DE ASSESSORIA TÉCNICO-IMOBILIÁRIA (SATI). ABUSIVIDADE DA COBRANÇA. I - TESE PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC/2015: 1.1. Validade da cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem... (STJ, REsp 1.599.511/SP 2016/0129715-8, Rel. Paulo de Tarso Sanseverino, 2ª Seção, DJe 06/09/2016)
Em síntese, pode-se verificar que o Superior Tribunal de Justiça: (i) afastou a cláusulas de irretatabilidade e irrevogabilidade contidas nesses contratos; (ii) buscou o equilibrar a relação contratual entre as partes, analisando cada situação retratada; (iii) sedimentou o entendimento de aplicação das noras de proteção ao consumidor nos contratos imobiliários; (iv) fixou a retenção das incorporadoras entre 10% a 25% das parcelas pagas pelos adquirentes; (v) determinou que a restituição não poderia ser parcelada e paga após a finalização das obras, bem como fosse corrigida monetariamente; e (vi) declarou ser legítima a transferência da comissão de corretagem para o consumidor.
Por outro lado, ainda que houvesse a tutela jurisdicional do Poder Judiciário, era imprescindível a criação de lei especifica para amparar os distratos imobiliários, haja vista a quantidade de demandas sobre essa questão e demora na tramitação desses processos.
Em consequência lógica desse cenário, foi promulgada a Lei nº 13.786, de 27 de dezembro de 2018, para alterar a Lei nº 4.591/1964 e a Lei nº 6.766/1979, a fim de estabelecer o distrato em contratos imobiliários por inadimplência do consumidor, como será tratado no próximo tópico do presente artigo.
3. CONSIDERAÇÕES SOBRE A NOVA LEI DO DISTRATO – LEI Nº 13.786/2018
Na última década, os conflitos evolvendo os consumidores e as empresas de construção civil em especial, tem elevado o número de distratos, gerando desequilíbrio e instabilidade no mercado imobiliário.
Cumpre esclarecer que o distrato imobiliário corresponde à extinção do contrato de aquisição de um imóvel, seja de forma unilateral ou bilateral, antes da quitação total do bem adquirido. Essa situação, de descumprimento das obrigações celebradas, está prevista nas cláusulas do próprio contrato, entretanto, não existia legislação que disciplinasse as condições gerais do distrato.
Ou seja, não havia legislação especifica para estabelecer o valor a ser devolvido, multas, retenção, devolução do imóvel, o que gerava discordância sobre os direitos e obrigações entre as partes, após a extinção do contrato. Logo, diante da ausência de parâmetros legais para resolver a questão, o atraso para resolução desse conflito, prejudicava tanto as incorporadoras quanto os consumidores adquirentes.
Assim, após anos de tramitação, discussão e negociação no Congresso Nacional, é aprovada a Lei nº 13.786/2018, com o intuito de acrescentar novos dispositivos à Lei nº 4.591/64 – incorporação imobiliária e a Lei nº 6.766/76 – parcelamento do solo, para regulamentar os casos de inadimplemento desses contratos.
As diferenças entre as negociações praticadas nas duas normas modificadas pela Nova Lei de Distrato, é bem esclarecida por Da Silva (2019, p. 03/04 e 05):
A incorporação imobiliária consiste na atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção de edificações ou conjunto destas compostas de unidades autônomas, para alienação total ou parcial. (...). Considera-se incorporador, conforme o art. 29 da Lei 4.591/64 (LGL\1964\12), a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que efetive a venda de frações ideais de terreno referentes a unidades autônomas, em edificações a serem construídas, ou já iniciadas, sob regime condominial. Será também aquele que meramente aceite propostas para a realização de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas. (...) O parcelamento do solo urbano consiste na subdivisão de gleba em lotes destinados à edificação e poderá ser concretizado mediante loteamento ou desmembramento, nos moldes preconizados pela Lei 6.766/79 (LGL\1979\27), atendendo-se aos índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou diploma normativo municipal para a zona em que se situe. Na instituição do loteamento, ocorre a abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação dos existentes. No desmembramento, aproveita-se o sistema viário existente, desde que não implique a implementação de outros acessos e equipamentos utilizáveis pela população, nem o aumento ou transformação dos já constantes.
As inovações implementadas pela Lei nº 13.786/2018, tratam do direito do adquirente à informação sobre aspectos essenciais da contratação; da admissão da comissão de corretagem e da cláusula de tolerância; o direito de arrependimento; o distrato e a retenção de valores pagos.
Em análise aos principais pontos da Nova Lei de Distrato, podemos ressaltar:
· Direito de arrependimento, o adquirente poderá desistir do contrato imotivadamente, no prazo de 7 dias (art. 67-A, §10 e §11, da Lei nº 4.591/64);
· Direito de informação, os contratos deverão conter quadro-resumo com as principais informações da negociação celebrada (art. 35-A, da Lei nº 4.591/64 e art. 26-A, da Lei nº 6.766/76;
· Previsão de multa de 50% sobre o valor já efetivamente pago, caso o consumidor desista da aquisição do imóvel “na planta”, desde que o bem esteja no regime de afetação – leia-se: patrimônio separado da incorporadora (art. 67-A, §5º, da Lei nº 4.59/64);
· Previsão de multa de 25% sobre o valor efetivamente pago, nos casos em que o consumidor desista da aquisição do imóvel “na planta” quando o imóvel fizer parte do patrimônio da incorporadora, ou seja, ausência do regime de afetação (art. 67-A, II, da Lei nº 4.59/64);
· Autorização da retenção comissão de corretagem, dos impostos, das taxas de condomínio e do aluguem, quando a desistência por parte do consumidor, acontecer após a entrega do imóvel (art. 67-A, da Lei nº 4.59/64 e art. 32-A, da Lei nº 6.766/76);
· Previsão expressa do prazo de 180 dias para atraso da obra, cujo prazo pode ser prorrogado por mais 180 dias, desde que seja em comum acordo;
· Previsão de pagamento de multa e concessão do direito de rescisão com ressarcimento total para o consumidor adquirente ou indenização de 1% por mês atrasado, caso o atraso na obra ultrapasse o tempo legal permitido (art. 43-A, §2º, da Lei nº 4.591/64);
· Autorização legal para transferência do contrato para outro adquirente, o que isenta ambas as partes de qualquer ônus previsto em lei (art. 67, §9º, da Lei nº 4.591/64).
O alcance da Nova Lei de Distrato, será para os contratos de aquisição de imóvel “na planta”, seja em regime de incorporação ou em regime de loteamento, após a sua vigência. Logo, referida norma não regulamentaria os contratos de compra e venda de imóveis já construídos por particulares.
Além disso, caso um consumidor incorra em inadimplência de um contrato anterior a vigência da Lei nº 13.786/2018, deverá ser aplicada a legislação anterior, sob pena de afrontar o princípio constitucional de irretroatividade da nova lei.
Ressalta-se, no entanto, que há possibilidade de que as jurisprudências desses casos anteriores, por manobra hábil, terem o mesmo resultado que previsão na Nova Lei de Distrato, especialmente nos processos em que a questão tiver sido tratada com base na volatilidade de princípios e cláusulas abertas.
4. IMPACTOS NO MERCADO IMOBILIÁRIO COM A VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.786/2018
Em meio à crise imobiliária, as incorporadoras passaram a oferecer alternativas ao consumidor, com o nítido intuito de evitar a resolução dos contratos, tais como: (i) descontos; (ii) outro imóvel com custo menor; (iii) financiamento direto; (iv) diminuição da taxa de juros e (v) aumento do parcelamento com a redução da prestação.
Mesmo com a preocupação das incorporadoras em encontrar alternativas para evitar o distrato dos contratos, isso não impediu o alto nível de inadimplência nas obrigações imobiliárias no Brasil.
Assim, do ponto de vista das incorporadoras, os distratos imobiliários foram um dos grandes problemas, até 2018, visto que não existia legislação específica e, muito menos, uma jurisprudência pacífica sobre os problemas enfrentados nesse setor, mormente porque, na maioria das vezes, as demandas ficavam estagnadas na justiça e, quando julgados, em cada caso tinha uma decisão ou posicionamento diferente.
Nesse contexto, a Nova Lei de Distratos, para as empresas de construção civil, trouxe diversos benefícios, o simples fato de não estar sujeitos as decisões divergentes dos Nossos Tribunais ou a possibilidade de cumulação da cláusula penal, prevista no contrato, com a reparação pelas perdas e danos, pelo atraso na entrega do imóvel adquirido (frisa-se, que essa questão será tratada no próximo tópico), trazia instabilidade e prejuízos ao mercado imobiliário.
Dentre os benefícios trazidos pela Lei nº 13.786/2018 ao mercado imobiliário, destaca-se o percentual de 25% a 50% de retenção dos valores pagos pelo adquirente.
O art. 67-A, II, da Lei nº 4.59/64, determina que, nos distratos realizados por culpa do adquirente, a incorporadora poderá reter o percentual de 25% sobre o valor efetivamente pago, quando o imóvel fizer parte do patrimônio do vendedor, ou seja, ausência do regime de afetação.
Nos casos em que, por desistência do consumidor, o imóvel esteja em regime de afetação – patrimônio separado da incorporadora – as construtoras puderam reter o percentual de 50% sobre o valor total efetivamente pago, nos termos do art. 67-A, §5º, da Lei nº 4.59/64.
Afora isso, o art. 32-A e art. 67-A, preveem a possibilidade de retenção da comissão de corretagem, dos impostos, das taxas de condomínio e do aluguel, nos casos em que o consumidor extinguir o contrato imobiliário, após a entrega do imóvel. E, além disso, o art. 43-A, autoriza o atraso na obra em 180 dias corridos, além da data estipulada em contrato, o que não enseja resolução do contrato, nem pagamento de qualquer penalidade pelo vendedor/incorporador.
Não se pode olvidar, que outro ponto de importante mudança do ponto de vista das incorporadoras, é a não cumulação, em hipótese alguma, da indenização total dos valores pagos pelo consumidor, no caso de resolução por culpa da construtora e a indenização de 1% por mês atrasado, caso o atraso na obra ultrapasse o tempo legal permitido (art. 43-A, §3º).
A Nova Lei de Distrato, estabelece que, após o prazo de tolerância de 180 dias da entrega do imóvel, deverá ser aplicada sanções distintas – jamais a sua cumulação –, dependendo da escolha do consumidor[4].
Outra inovação é o fato de que o montante remanescente a ser pago ao consumidor, deve ser atualizado por índice de correção monetária escolhido pelas construtoras (art. 67-A, § 8º), além disso, não é mais necessário a devolução imediata da quantia, havendo previsão legal do prazo de até 60 dias, para pagamento dos valores a serem restituídos (art. 43-A, da Lei nº 4.591/1964).
Sem mencionar que, na hipótese de rescisão por inadimplemento do adquirente, o loteador poderá alienar o imóvel, por meio de leilão judicial ou extrajudicial (Lei nº 9.514/97), no prazo de 60 dias após a constituição em mora (art. 34, §2º, da Lei nº 6.766/1979).
Diante do exposto, as empresas de construção civil louvam o intuito pacificador da nova lei, ao trazer previsibilidade e estabilidade sobre questões tão exaustivamente discutidas no Poder Judiciário, de modo que, a vigência dessa norma, possibilita que os riscos contratuais estejam discriminados previamente em seus planos de negócio, o que garante a viabilidade financeira em todo o empreendimento.
5. A NOVA LEI DE DISTRATO – LEI Nº 13.786/2018 VERSUS O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - CDC
Enquanto os distratos para as incorporadoras representa “altos prejuízos” para os projetos adotados, para aquele que adquire o imóvel – como produto final – a resolução do contrato simboliza abandonar o sonho da casa própria. Nessa última hipótese, via de regra, o comprador só resolve pela opção do distrato, porque realmente não teria condições para arcar com os encargos remanescentes.
Considerando as pessoas dessa relação, existiam questionamentos se os contratos imobiliários estariam sujeitos as normas de proteção ao consumidor, mesmo que fossem estabelecidos por leis especificas (como já mencionado Lei nº 4.591/64 e Lei nº 6.766/76).
Em análise sobre essa questão, é sabido que o art. 2º e 3º, do CDC, estabelecem, respectivamente, a figura do consumidor e fornecedor. Assim, pela leitura do art. 2º, do CDC, o consumidor seria toda pessoa física, que adquire ou utiliza o produto como destinatário final. Enquanto que o art. 3º, do CDC, estabelece que o fornecedor seria toda pessoa física ou jurídica, que desenvolva atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Por óbvio, a jurisprudência pátria e os doutrinadores, consolidaram o entendimento de que o comprador é considerado consumidor e as empresas construtoras enquadram-se na figura do fornecedor, em que entre essas pessoas é celebrado um contrato de adesão. Logo, por corolário lógico, trata-se de uma relação de consumo, pela qual está diretamente sujeita as normas e princípios previstos no Código de Defesa do Consumidor.
Nesse sentido, para os estudiosos otimistas desse assunto, a Lei nº 13.786/2018 não será aplicada para os contratos em que o adquirente não seja consumidor (tais como fundos de investimento imobiliário), haja vista que, além dos debates no Congresso Nacional, a Lei de Distrato faz referência esparsa à legislação consumerista – exemplo: art. 35-A, da Lei nº 4.591/64.
As regras previstas na Nova Lei de Distratos, portanto, devem ser aplicadas em harmonia com os preceitos de proteção contidas no Código de Defesa do Consumidor – CDC, com a finalidade de limitar as práticas abusivas nas negociações imobiliárias, que tornem o consumidor vulnerável.
Para esses estudiosos, a Lei nº 13.786/2018 trouxe vantagens para os consumidores, tais como: (i) o direito de arrependimento, fixado no prazo de 7 (sete) dias, por meio de carta registrada, nos casos em que os contratos foram celebrados nos estandes de venda e fora da sede das construtoras, com a devolução de todos os valores antecipadamente pagos, inclusive, a comissão de corretagem (art. 67-A, §10º e §11º); (ii) prevê o direito à informação, devendo conter nos contratos imobiliários o quadro resumo com todas as especificações do instrumento assinado pelo consumidor, frisa-se: preço total a ser pago, parcelas previstas, forma de quitação, juros aplicáveis, correção monetária, dados sobre o imóvel, seu registro/matrícula no cartório de imóveis, os ônus que recaem sobre o bem, esclarecimentos sobre a comissão de corretagem, direito de arrependimento, os efeitos legais sobre o atraso da entrega, valores a serem retidos no caso de resolução por parte do adquirente (art. 35-A); e (iii) assegurou ao consumidor a não aplicação da cláusula penal dos distratos, quando o adquirente sub-roga seus direitos e obrigações para outro comprador, com expressa concordância da construtoras (art. 67-A, §9º).
Por outro lado, os pessimistas entendem que a Nova Lei de Distratos não atendeu, corretamente, os interesses e proteção a parte vulnerável dessa relação – qual seja o Consumidor – em suas considerações o legislador buscou resguardar muito mais o mercado imobiliário, trazendo, até mesmo, situações altamente prejudiciais ao adquirente, em total afronta às regras previstas na legislação consumerista.
A Lei nº 13.786/2018, infelizmente, não adotou os posicionamentos jurisprudenciais favoráveis ao consumidor, em especial destacamos o Informativo Jurisprudencial nº 602, do STJ - envolvendo a afetação do Tema nº 970 e a suspensão em Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas – consagrou a possibilidade de cumulação da cláusula penal, prevista no contrato, com a reparação pela perdas e danos, pelo atraso na entrega do imóvel adquirido.
Em entendimento, do Nosso Superior Tribunal, as sanções teriam naturezas distintas, visto que a cláusula penal teria caráter moratório, enquanto que a indenização por perdas e danos pela não fruição do imóvel, teria cunho compensatório, o que justificaria a possibilidade de sua cumulação, entretanto, referido posicionamento não foi abarcado pela Nova Lei de Distratos.
Ressalta-se que a Lei nº 13.786/2018, permite a cláusula de tolerância no atraso da obra ou entrega do imóvel, estabelecendo o prazo de 180 dias, contados a partir da data estipulada em contrato (art. 43-A). Após o prazo de 180 dias, terá o consumidor a escolha de permanecer com o contrato ou realizar o distrato, cujo valor não será devolvido de imediato.
Importante esclarecer que a Lei nº 13.786/2018 também não adotou posicionamento enunciado pela Súmula nº 543, do STJ, visto que estabelece prazos prejudiciais ao consumidor para restituição dos valores pagos, absolutamente contrário ao entendimento sumular de devolução imediata das parcelas satisfeitas pelo adquirente.
No caso de desistência do contrato, as incorporadoras, pelo art. 43-A, §1º, da Lei de Distratos, terão o prazo de até 60 (sessenta) dias para restituir o saldo devido ao adquirente, cuja quantia será corrigida pelo índice monetário escolhido pelo promitente vendedor, colocando o consumidor, à primeira vista, em uma situação desfavorável e a mercê das empresas construtoras.
Caso seja escolhido manter o contrato e o prazo da entrega entender-se por prazo superior a 180 dias, as empresas de construção civil deverão indenizar no percentual de 1% no valor das parcelas efetivamente pagas pelos adquirentes, para cada mês de atraso – pro rata die –, corrigidos monetariamente pelo índice previsto instrumento (art. 43-A, §2º).
E como já mencionado, em total discordância com as jurisprudências pátrias, o §3º, do referido art. 43-A, dispõe que, em hipótese alguma, a indenização de 1% (§2º) poderá ser cumulada com a multa de restituição total das parcelas, pela inexecução total da obrigação (§1º).
Segundo Da Silva (2019, p. 11/12) as mudanças trazidas pela nova lei evidenciam um desrespeito aos deveres de lealdade e de cooperação submetidos às expectativas gerada pelos consumidores, mormente porque:
Fixar o valor de montante indenizatório, limitando-o ao irrisório percentual de 1% do quanto entregue ao fornecedor, com base em cada mês de demora, é algo que afronta a proteção do consumidor assegurada pela Lei 8.078/90 (LGL\1990\40) no que tange ao seu direito básico de reparação integral dos danos materiais e morais sofridos, não somente no plano individual, mas também no âmbito coletivo. Algo mais prejudicial foi legalmente concebido: o índice de correção monetária deve ser o escolhido pela empresa e encartado no instrumento de adesão, ou seja, vilipendia-se um dos fundamentos basilares da proteção consumerista, reduzindo o valor ressarcitório, desconsiderando a realidade vivenciada por cada ser humano diante da mora para ter o acesso ao imóvel e dar-se ao autor do contrato o poder de escolher a atualização que melhor lhe aprouver. E o que é ainda mais absurdo: a inadmissibilidade da junção da indenização com a sanção sobre a inexecução total da obrigação. Decerto que dúvidas não pairam sobre a intenção do legislador de coibir os adquirentes de imóveis de buscarem a efetiva proteção dos seus interesses e direitos.
Em considerações sobre as expectativas criadas, frisa-se a conclusão de que a norma em análise perdeu a oportunidade de proporcionar a cumulação de referidas multas, em nítida desconsideração ao fato de que, nos casos de extinção por culpa das construtoras, os adquirentes, em geral, precisam pagar aluguéis e sofrem prejuízos tanto na esfera material quando moral, visto que acreditavam que o contrato seria fielmente cumprido, o que deixa os consumidores totalmente vulneráveis nessa situação.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o advento da Lei nº 13.786/2018, houve novas regras acrescidas a Lei nº 4.591/64, referente à incorporação imobiliária e na Lei nº 6.766/76, correspondente ao parcelamento do solo.
As mudanças trazidas pela Nova Lei de Distrato, tem como objetivo estabelecer regras para o inadimplemento dos contratos imobiliários. Dentre essas inovações, destaca-se o direito à informação sobre aspectos essenciais da contratação; admissão da comissão de corretagem e a cláusula de tolerância; o prazo para o direito de arrependimento; o distrato e a retenção de valores pagos.
Sobre a implementação das modificações trazidas pela Lei nº 13.786/2018, existem opiniões divergentes sobre a sua efetividade e consequências, devendo ser levando em consideração de qual lado a aplicação da lei atinge – leia-se: consumidor ou mercado imobiliário.
Quanto à Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), a nova legislação traz mais equilíbrio ao setor imobiliário no ano de 2019, visto que para essa classe a desistência da compra do bem pelos clientes, trazia inúmeros prejuízos às empresas de construção civil, conforme pôde ser verificado na análise de diversos autores.
Com efeito, as alterações legislativas foram recebidas positivamente pelo mercado imobiliário, aduzindo que o conjunto normativo proporciona mais segurança jurídica, previsibilidade e confiança para investir.
Em contrapartida, para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a proposta normativa aprovada representa “grandes prejuízos” para os consumidores brasileiros, sob o fundamento de que a desistência dos contratos foi por culpa, exclusiva, das construtoras que, por especulação imobiliária, má gestão das obras e outras falham, atrasam a entrega dos imóveis, bem como descumpriram contratos e ofertas e, pior ainda, alteram condições de pagamento (apud DA SILVA/2019).
Diante dessa culpa gerada pelas empresas de construção civil, os defensores dos consumidores, à exemplo do Procon, entendem que a legislação não poderia se pautar nas pífias alegações das construtoras de que o prejuízo por elas suportados, se deve à desistência em massa por parte dos clientes antes da entrega da chave dos imóveis.
O problema da presente investigação científica consiste em verificar se a Lei dos Distratos Imobiliários tem reflexos na relação de consumo, e diante da análise prevalece o entendimento de que a Lei nº 13.786/2018 é desproporcional, e, não há dúvidas que as alterações trazidas pela norma em discussão, são mais vantajosas aos vendedores dos imóveis, de modo que é possível vislumbrar escassas modificações que trarão resultados positivos aos consumidores-adquirentes.
É evidente o prejuízo que os adquirentes irão sofrer no caso de resolução do contrato por sua culpa, visto que será restituído, dependendo do caso, cerca de 75% a 50% do valor efetivamente pago.
Além disso, a norma retirou benefícios conquistados pelos consumidores, em entendimento jurisprudencial, visto que, nos casos de distrato por culpa das construtoras, os valores não serão restituídos de imediato e, ainda, extirpou a possibilidade de cumulação da cláusula penal, prevista no contrato, com a reparação pelas perdas e danos, pelo atraso na entrega do imóvel adquirido.
Não se pode negar, portanto, que o legislador escolheu a proteção do investidor às custas da proteção social do consumidor-adquirente vulnerável, em total contramão aos princípios consumeristas, da boa-fé e da função social do contrato.
Espera-se que os órgãos de proteção e defesa do consumidor sejam capazes de, por meio da união, resguardar os direitos dos consumidores, diante das práticas prejudiciais autorizadas pela Nova Lei de Distratos.
Por fim, podemos arriscar o fato de que, as situações ditas como prejudiciais ao consumidor, ainda serão temas de debate e luta perante nosso Poder Judiciário, pelo que se tem como última esperança, que as decisões de Nossos Tribunais – em especial os Tribunais Superiores –, possam harmonizar e equilibrar efetivamente a aplicação da Lei nº 13.786/2018 em conjunto com o Código de Defesa do Consumidor – CDC.
6. REFERÊNCIAS
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________. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6766.htm>. Acesso em: 19 out. 2019.
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_______. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 543. Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. Disponível em: <https://scon.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc.jsp?livre=(sumula%20adj1%20%27543%27).sub>. Acesso em 15 out. 2019.
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[1] BORGES, Liliane de Moura. Professora Mestre na Faculdade Serra do Carmo. E-mail: [email protected]
[2] Nota Explicativa: Referido princípio nas relações cíveis promove a liberdade para contratação na forma que melhor englobar os interesses das partes, o que gera uma presunção de boa-fé nessa celebração.
[3] Súmula 543 – Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.
[4] Ou seja, caso o adquirente escolha rescindir o contrato, será devida a restituição total do valor efetivamente pago, enquanto que, se o adquirente escolher preservar a relação obrigacional, será devida indenização de 1% por mês atrasado pela incorporadora.
Advogada. Graduada pela Universidade Federal do Tocantins - UFT
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VANDERLEIZ, Maria Caroline de Sousa. Análise da Lei nº 13.786/2018 que dispõe sobre distrato imobiliário e seu reflexo na relação de consumo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 dez 2019, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /53916/anlise-da-lei-n-13-786-2018-que-dispe-sobre-distrato-imobilirio-e-seu-reflexo-na-relao-de-consumo. Acesso em: 29 dez 2024.
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